Uma pensadora contra a interpretação 🤔
Susan Sontag nos convida a repensar nossa relação com a arte.
Até que ponto uma obra de arte deve ser interpretada?
Não é incomum assistirmos a um filme e buscarmos por explicação. O próprio YouTube está cheio de vídeos de "final explicado” e "o verdadeiro significado de X no filme Y", atendendo essa demanda do público.
Mas será que essa busca incessante por significado nos afasta da experiência genuína da arte?
Susan Sontag, em seu ensaio Contra a Interpretação (1964), argumenta que a interpretação excessiva pode empobrecer nossa experiência estética. Em vez de permitir que a arte nos afete de maneira direta e sensorial, tentamos dissecar suas camadas, buscando um significado oculto que possa ser explicado.
Forma e conteúdo 👩🎨
A pensadora traça um paralelo entre a crítica moderna e a teoria estética dos antigos filósofos, como Platão e Aristóteles, que viam a arte como uma imitação da realidade. Portanto, algo a ser desvendado e explicado.
A separação entre forma e conteúdo moldou o modo como o Ocidente passou a avaliar a arte. A arte não era mais apenas um fenômeno sensorial. Precisava justificar sua existência por meio do conteúdo, das mensagens e dos significados que poderia transmitir.
E eis aqui um ponto central do ensaio de Sontag: buscamos um conteúdo obrigatoriamente significativo, ao passo que, aceitamos a forma como um mero acessório da obra de arte.
Sontag sugere que a interpretação é uma forma de vingança do intelecto sobre a arte, uma tentativa de domesticar e controlar aquilo que nos faz sentir desafiados. A interpretação, para ela, é uma forma de empobrecer a obra de arte, reduzindo-a a uma tradução limitadora de significados preconcebidos que podem ser facilmente digeridos pelo espectador.
Arte verdadeira tem a capacidade de nos deixar nervoso. Ao reduzir a obra de arte ao seu conteúdo e então interpretar isso, doma-se a obra de arte. - Susan Sontag
A função da crítica ✍️
Susan Sontag rejeita a ideia de que a forma é submissa ao conteúdo (ou de que a arte é seu conteúdo). Ela sugere que, em vez de nos concentrarmos tanto no conteúdo e no significado oculto das obras, deveríamos focar mais na forma e no estilo. Ou seja:
🎨 Uma pintura não se limita seu tema ou a um conjunto de símbolos a serem decifrados. Mas corresponde à combinação única de seus elementos estilísticos, como a o tipo de pincelada, o tom das cores, a composição dos elementos etc.
🎥 Um filme não se limita a sua história ou a um conjunto de símbolos a serem decifrados. Mas corresponde à combinação única de seus elementos estilísticos, como a utilização da câmera, as escolhas de iluminação, a presença ou ausência de trilha sonora etc.
Criticar a forma também é entender o que se sente ao experienciar uma obra de arte. Quando Sontag discute sobre não esgotar a arte focando exclusivamente no conteúdo, ela não descarta a importância do conteúdo, mas enfatiza que a forma é fundamental.
Não existem regras fixas para o julgamento de uma obra de arte, do tipo:
🖼️ Esse plano é bonito;
🎭 Isso é uma boa atuação;
😍 O vermelho significa paixão
Esse tipo de crítica ignora a relação específica de cada obra com a linguagem e a conexão única do autor com a forma. Obras complexas podem necessitar de explicações para enriquecer essa experiência, mas a interpretação não deve restringir a obra a uma única perspectiva.
Para evitar críticas ilustrativas ou limitadas ao conteúdo, Sontag propõe uma relação de transparência com a obra de arte. Isto é, uma abordagem que recusa a limitar a experiência estética à elementos simbólicos.
A função da crítica deve ser mostrar como é que isso é o que é, e mesmo que isso é o que é, ao invés de mostrar o que significa. - Susan Sontag
A erótica da arte ❤️🔥
Susan Sontag nos convida a substituir a interpretação hermenêutica (interpretativa) pela erótica da arte (sensorial). A ideia é que a arte tem uma qualidade intrínseca que pode ser sentida e apreciada sem a necessidade de análise profunda.
Adotar uma erótica da arte significa abrir-se para a complexidade e a ambiguidade das obras, permitindo que elas nos desafiem e nos encantem sem a necessidade de traduzir tudo em interpretações. É um convite para uma apreciação mais profunda e imediata, onde a forma e o conteúdo se unem para criar uma experiência estética rica e envolvente.
A arte é sedução, não estupro. Uma obra de arte propõe um tipo de experiência destinado a manifestar uma qualidade imperiosa. Mas a arte não pode seduzir sem a cumplicidade do sujeito da experiência. - Susan Sontag