Este homem está dizendo que a culinária italiana não existe 🍝
Seria a cozinha italiana um mito construído?
Alberto Grandi, professor da Universidade de Parma, é o autor de uma declaração que tem causado alvoroço no mundo gastronômico: a cozinha italiana não existe!
Especialista em história da alimentação, Grandi é conhecido por suas visões que desafiam as tradições consolidadas sobre a culinária italiana. Em seu livro recém-chegado ao Brasil com o título comercial e carismático As Mentiras da Nonna, ele explica a provocação.
Grandi argumenta que muitos dos alimentos e receitas considerados ícones da Itália moderna são criações recentes. Segundo ele, esses pratos são mais frutos de um bom marketing (ou branding?) do que de uma tradição antiga.
Uma construção moderna? 🤔
A Itália, de certo modo, é um país novo, unificado apenas em 1861. Em comparação, outras nações do continente são muito mais velhas: França (843), Portugal (868), Inglaterra (927) e Espanha (1469). Isso fez com que esses países tivessem suas identidades consolidadas muito antes.
Até sua unificação, a península italiana era uma coleção de reinos, ducados e estados independentes, cada um com suas próprias tradições e influências culinárias. Ou seja, a dieta variava enormemente de uma região para outra.
Além disso, a Itália foi extremamente pobre por muito tempo. Por volta da virada para o século XX, mais de 25 milhões de italianos migraram para outros países, sobretudo para as Américas. Os que ficaram comiam principalmente feijão e vegetais.
Por isso, a noção de uma cozinha que representa toda a Itália seria uma construção moderna. Um dos pontos mais polêmicos do livro é a ideia de que a culinária italiana teria apenas 50 anos.
Segundo Grandi, a cozinha italiana, como a conhecemos hoje, é uma invenção do pós-guerra. Ela teria sido impulsionada pela necessidade de revitalizar a economia italiana durante os anos 1970, quando a crise industrial ameaçava o crescimento econômico do país.
Foi nesse período que os empresários e produtores italianos começaram a criar uma narrativa em torno dos seus produtos típicos, apresentando-os como heranças de uma tradição longeva. A estratégia não só teria ajudado a promover a economia local, como teria construído uma imagem idealizada da Itália na cultura gastronômica.
Feito na Itália? Nem sempre… 🗺️
Exemplos para Grandi não faltam:
🧀 Parmesão: a versão mais próxima do original estaria em Wisconsin, EUA, onde os imigrantes italianos preservaram técnicas que a Itália modernizou.
🍅 Tomate de Pachino: é uma criação recente e de origem israelense, não italiana.
🍷 Vinho Marsala: foi inventado por um comerciante inglês antes mesmo da Itália unificada existir.
🍕 Pizza: tornou-se o que é graças aos Estados Unidos.
🍝 Espaguete à Carbonara: surgiu na Segunda Guerra Mundial, combinando massa com ingredientes disponíveis para o exército americano no café da manhã, como ovos e bacon.
Reação e resposta 💬
Como era de se esperar, a publicação do livro gerou controvérsias (e incomodou até mesmo o governo da Itália). Para muitos italianos, a obra é vista como uma ofensa à sua cultura e identidade.
A ideia de que o prato que compartilham na mesa de domingo pode não ter as raízes que acreditavam, pode ser desconcertante. No entanto, Grandi ressalta que sua intenção não é desmerecer a qualidade dos produtos italianos, mas sim questionar a narrativa que os cerca.
Para ele, é possível valorizar a culinária italiana sem recorrer a mitos ou falsas tradições. Na verdade, ele argumenta que essa desconstrução pode até fortalecer o apreço pelos produtos, uma vez que o foco se desloca da tradição para a inovação e a qualidade intrínseca dos ingredientes.
O que seria, afinal, a culinária italiana? 🇮🇹
Para Grandi, a verdadeira cozinha italiana é um mosaico de influências e inovações. Uma cozinha que se apropria de elementos de diversas culturas e os adapta ao gosto contemporâneo.
Um exemplo que ele usa para ilustrar isso é a Nutella. A famosa pasta de avelã, criada em 1964, é hoje considerada um símbolo da cultura italiana, apesar de ter apenas algumas décadas de existência.
Ela foi criada quando a escassez de cacau levou os italianos a misturarem-no com avelãs, abundantes na região do Piemonte. Hoje, a Nutella é consumida em todo o mundo, mas sua história reflete as complexas interações que caracterizam a cozinha italiana.
No fim das contas, trata-se de um comentário sobre como as tradições culturais são frequentemente moldadas por necessidades contemporâneas. E de como até mesmo uma identidade nacional pode ser construída intencionalmente.
O branding está em tudo, até na cozinha!