Ele foi um pioneiro na videoarte. Essa é a sua história 📹
A jornada no tempo de Bill Viola.
Em um feriado em família durante a infância, ele caiu em um lago. O pequenino de seis anos foi resgatado às pressas por seu tio quando estava próximo de se afogar.
Esse momento submerso teve um impacto profundo em sua vida. Era colorido e leve, disse ele mais tarde.
Duas décadas depois da queda no lago, um homem surge de uma floresta. Ele caminha em direção a uma piscina e salta na água. Em vez de afundar, ele fica suspenso no ar.
Após longos minutos, a figura masculina desaparece lentamente para em seguida emergir de dentro d'água e voltar à floresta.
O sujeito em questão é Bill Viola, artista pioneiro da videoarte e nosso homenageado de hoje na PIRA27. Quer saber mais? Não deixe de conferir por completo essa edição!
Eu experimentei ausência de peso e um profundo senso visual que nunca esqueci. Era como um sonho de azul e luz, e eu pensei que estava no céu, pois era a coisa mais linda que eu tinha visto. E então... meu tio me resgatou. - Bill Viola
Descobrindo a câmera filmadora 🎓
Nascido em Nova York em 1951, Viola sempre teve uma ligação profunda com o mundo ao seu redor e por aquilo que não pode ser visto a olho nu, mas que é sentido, vivido. Ainda jovem, encontrou na videoarte o meio perfeito para expressar suas inquietações.
Estudou na Universidade de Syracuse, onde o mundo do vídeo se abriu para ele como um oceano de possibilidades. Ali, ele descobriu que poderia usar a tecnologia para capturar não apenas imagens, mas emoções, memórias e reflexões.
Na década de 1970, ele começou a experimentar com videotapes e instalações. Seus primeiros trabalhos refletiam um um fascínio por efeitos especiais, explorando a luz e distorções visuais.
A textura rudimentar das imagens em fita magnética e a baixa definição da tecnologia da época se destacavam. Ao colocar a câmera no limite da captação, ele revelava seu interesse pela natureza irreal do real.
Sua arte, na vanguarda da tecnologia, revelava um mundo que buscava se ver com nitidez, mas que, ironicamente, se dissolvia em borrões. Chott el-Djerid (A Portrait in Light and Heat), de 1979, expõe essa questão.
No Deserto do Saara, Viola capturou miragens, vultos de construções, veículos e pessoas. Essas formas indefinidas aparecem brevemente, apenas para desaparecer como manchas na vastidão de areia, ofuscadas pela luz intensa do horizonte infinito.
Explorando a videoarte 📺
Viola também capturou os ritmos da cidade. Em Anthem, ele gravou uma menina em Los Angeles soltando um grito penetrante. O artista manipulou o som, estendendo-o por vários minutos, criando uma trilha para uma montagem de cenários desolados.
No filme I Do Not Know What It Is I Am Like, Viola aprofunda seu mergulho na contemplação e na relação entre o ser humano e a natureza. Ele utiliza imagens de animais, paisagens e elementos naturais para refletir sobre a questão central da obra – a dificuldade de entender a própria essência.
Seu trabalho tomou um rumo mais pessoal no início da década de 1990. Em The Passing, ele reflete sobre essa experiência de perda e renovação.
O vídeo em preto e branco justapõe imagens oníricas, como água, escuridão e luz, para explorar a transição entre esses dois grandes eventos da vida. As cenas alternam fotos pessoais da morte de sua mãe com imagens do nascimento de seu próprio filho.
Pinturas em movimento 🖼️
Aos poucos, Viola substituiu o caráter experimental por uma abordagem mais nítida. Suas obras passaram a se destacar pelo uso do tempo desacelerado.
Essa experiência prolongada permitia que os espectadores se tornassem mais conscientes de sua própria presença física e de seus pensamentos. Além disso, a técnica oferecia a oportunidade de perceber sutilmente as transformações na imagem.
É o caso de A Saudação. Elaborada para a Bienal de Veneza de 1995, na qual Viola foi escolhido para representar os Estados Unidos. A filmagem foi feita em 45 segundos a 300 fps e depois reproduzida em câmera super lenta.
A ação retrata duas mulheres saudadas por uma terceira. Foi inspirada em A Visitação, de Jacopo Pontormo, que retrata Maria, grávida de Jesus, encontrando sua prima Isabel, grávida de João Batista, como descrito no Evangelho de Lucas.
A intensidade das cores, o mistério do conteúdo, a estranha estabilidade da imagem e a beleza quase incrível da composição dão a sensação de que você está assistindo a uma pintura que se move. - Andrew Solomon, em um perfil de 1998 na The New York Times Magazine.
Sob as águas 💦
Mesmo em sua fase mais consolidada como artista, a memória do lago permaneceu viva para Viola. Em uma entrevista, foi sugerido: talvez seja por isso que você use água em seu trabalho. O artista prontamente respondeu: claro!
Presente tanto como símbolo quanto como material físico, a água representava transformação, renascimento e a passagem do tempo. Além de The Reflecting Pool, de 1979, obra que abre essa edição da PIRA27, Viola produziu distintas peças com o elemento:
🔥 The Crossing (1996): uma figura solitária caminha em direção ao espectador e é envolvida por dois fenômenos naturais opostos: de um lado, o fogo, e do outro, a água.
👼 Cinco Anjos para o Milênio (2001): anjos aparecem subindo ou descendo na água, criando uma sensação de movimento suspenso no tempo.
🛁 Emergence (2002): a peça retrata uma figura masculina emergindo lentamente de uma banheira de mármore, evocando imagens tradicionais da ressurreição e do luto.
🏃♂️ The Deluge (2002): narrativa visual em que uma cidade começa seu dia de maneira comum, até que, subitamente, uma torrente de água arrasta tudo.
🌊 A Balsa (2004): um grupo de pessoas é atingido por uma violenta torrente de água. A câmera captura os momentos de choque, desespero e solidariedade entre os personagens.
🌧️ Ascensão de Tristão (2005): Inspirada pela ópera Tristan und Isolde, de Richard Wagner, mostra o corpo de um homem sendo elevado por uma torrente de água que sobe do chão ao céu.
Influência renascentista 👨🎨
A lembrança às iconografias cristã e renascentista em algumas de suas produções não é gratuita. Viola soube traduzir a qualidade cinematográfica dessas pinturas.
A arte do renascimento retratava corpos em movimento, vibrantes de vida. Viola inverteu esse processo: usou o movimento para capturar a quietude de uma grande pintura.
As influências dos grandes mestres, especialmente Michelangelo, são evidentes em seus trabalhos. Essa conexão foi destacada em exposições ao redor do mundo — desde o Museu Duomo, em Florença, até a Royal Academy, em Londres.
Na mostra Bill Viola/Michelangelo: Life, Death, Rebirth, desenhos do renascentista foram apresentados ao lado de instalações em vídeo de Viola. A exposição criou um diálogo profundo entre as obras dos dois artistas, explorando temas comuns como vida, morte e renascimento.
Depois de Viola, vídeo e filme se tornaram cada vez mais presentes em galerias e museus. Mas seu sucesso também lhe rendeu trabalhos destinados a serem vistos inteiramente fora do contexto artístico. Em 2014 ele foi chamado para fazer uma instalação para a St. Paul's Cathedral, em Londres.
A catedral, a segunda maior do mundo, perdendo apenas para a Basílica de São Pedro, no Vaticano, foi o palco de um marco inédito. Pela primeira vez, vídeos, e não pinturas ou esculturas, foram concebidos para exibição permanente como arte contemplativa em uma grande igreja.
A obra em questão foi Mártires (Terra, Ar, Fogo, Água), composta por quatro telas, cada uma representando um dos elementos do título. Em cada vídeo, um indivíduo é submetido a um teste de resistência física e espiritual, refletindo sobre a capacidade de encontrar significado e redenção em meio ao sofrimento.
Mergulho final ⌛
Nos anos recentes, Bill Viola sofreu da doença de Alzheimer. Coube a Kira Perov, esposa e parceira de vida, representar o estúdio do artista ao redor do mundo.
Em 2018, a exposição Visões do Tempo foi realizada no Brasil. Apresentada no Sesc Avenida Paulista, trouxe peças como The Reflecting Pool, Mártires e Capela de Ações Frustradas e Gestos Fúteis.
Kira garantiu que as ideias de Bill não saíssem de cena enquanto ele cuidava da saúde. Em julho de 2024, o artista encerrou sua jornada. Perov comunicou: ele faleceu pacificamente em casa aos 73 anos.
Só pela minha natureza, sempre fui atraído para desacelerar as coisas, realmente por um desejo de ver as coisas mais completamente, para reprimir a desordem e o fluxo agitado de coisas que está vindo até você constantemente, para que você possa se sentir vivendo, pensando, respirando. - Bill Viola, em 2006.
O desejo de Viola foi atendido. Em 2014, o Grand Palais em Paris realizou uma grande retrospectiva de sua carreira. Uma pesquisa revelou que os visitantes passaram, em média, duas horas e meia contemplando suas pinturas em movimento.
Viola mostrou que o ato de olhar para um objeto também requer olhar para dentro de si.