A Grande Onda de Kanagawa, de Katsushika Hokusai 🌊
Você já viu essa arte por aí?
Um ícone global como O Grito de Edward Munch e as Marilyns de Andy Warhol, ela pode ser encontrada em diversas configurações. Em estampas de camisetas e meias, capinhas de celular e canecas, adesivos e tatuagens.
Nenhuma obra de arte não ocidental foi reproduzida tão amplamente em tantas partes do mundo quanto A Grande Onda de Kanagawa, de Katsushika Hokusai. O entusiasmo por gravuras japonesas influenciou a arte europeia, espalhou-se pelo mundo e hoje aterrisa aqui na Pira27.
Uma aposta no Fuji 🇯🇵
Hokusai, aos setenta anos, já era um celebrado artista e ilustrador de livros quando iniciou a série Trinta e Seis Vistas do Monte Fuji. Excepcional observador da natureza, ele retratou a grande montanha japonesa sob diferentes pontos de vista, estações do ano e horas do dia.
Por necessitar de prensas e investimento para imprimir em grande escala, a arte ukiyo-e, técnica de xilogravura japonesa, dependia de financiamento para sua produção. Houkusai contou com a parceria de Nishimura Yohachi, proprietário da editora Eijudō, e responsável por publicar e distribuir a coleção.
O potencial comercial do Monte Fuji revelou-se verdadeiro, e dez gravuras adicionais foram encomendadas. Embora hoje saibamos do seu êxito, sua publicação foi um empreendimento que envolvia uma certa quantidade de risco.
Se a série Fuji não tivesse caído nas graças do público, o editor provavelmente a teria descontinuado. Foi o destino de One Hundred Poems as Told by the Nurse, da qual apenas noventa e um de uma centena prometida apareceram.
O sucesso, no entanto, não garantiu riqueza. O acordo com a editora previa o pagamento apenas pelos desenhos concluídos, sem royalties das reproduções.
A paisagem marinha ⚓️
Dentre as variadas vistas do Monte Fuji, nenhuma foi tão icônica quanto A Grande Onda. Um instante de fúria e beleza capturado pelo artista.
O monte, considerado um símbolo sagrado, de inspiração espiritual e de estabilidade para os japoneses, é envolvido por um efeito atmosférico de gradação de cores. A neve no topo completa sua representação.
Monumental em tamanho e com cristas em forma de garras, uma onda paira com o Fuji ao fundo. Em uma inspeção mais detalhada, revela-se três barcos de pescadores que corajosamente enfrentam o paredão de água1.
Eles terão sucesso? Hokusai não impõe uma conclusão à narrativa.
O suspense se perpetua, mantendo o espectador em uma tensão tão dinâmica quanto a cena que se desenrola. De mesmo modo, não sabemos se estamos vendo a cena em um barco semelhante ou através de um telescópio.
A obra sugere a fragilidade humana diante da força da natureza. A quebra da onda contrasta com o Monte Fuji ao fundo, que permanece inabalável em meio ao caos, contrapondo o sagrado e a vida secular.
O azul intenso da gravura vem do uso pioneiro da tinta azul prussiana, um pigmento sintético e importado da Europa, provavelmente via China. Desenvolvido no início do século XVIII, oferecia uma vantagem sobre o índigo por ser insolúvel em água.
Outros elementos que remetem à arte ocidental também foram adotados: a linha do horizonte baixa e o uso de perspectiva linear.
Uma onda pela Europa 🗺️
Na década de 1860, livros ilustrados e impressões de folhas soltas das gravuras de Hokusai, começaram a circular rapidamente pela Europa. A velocidade dessa disseminação refletia novos avanços em transporte e comunicação.
A Onda revelou múltiplas experiências para diferentes públicos. Para alguns, ela denotava mudança. Para outros, era uma metáfora para o tempo, a memória, a condição humana e até mesmo a própria consciência.
O uso de grandes áreas planas de cor, linhas fortes e cores vivas ajudaram a abrir novas abordagens para a pintura europeia. Na década de 1870, o termo japonismo foi adotado para se referir ao entusiasmo por todas as coisas japonesas.
Essa influência tornou-se um símbolo de ruptura com a tradição, inspirando movimentos artísticos que valorizavam a mudança. Sem Hokusai, poderia não ter havido Impressionismo.
Entre os artistas impactados, estão:
🏡
Claude Monet: o artista adquiriu 250 gravuras japonesas, incluindo 23 de Hokusai, que cobriam as paredes de sua casa em Giverny.
🌌 Vincent van Gogh: aplicou elementos semelhantes em A Noite Estrelada, como estilo de linhas, uso da cor e o contraste entre o caos e a calma.
🇫🇷 Henri Rivière: inspirado pela série do Monte Fuji, produziu Trinta e Seis Vistas da Torre Eiffel.
🎼 Claude Debussy: impactado pela estética de Hokusai, criou a composição La Mer, que evoca a vastidão e o movimento das águas.
Um símbolo global 🌐
A Grande Onda infiltrou a consciência americana no pós-guerra. Museus ajudaram na disseminação por meio de exposições e publicações, mas o comércio e a mídia de massa foram instrumentais nesse processo.
A arte de Hokusai atravessou contextos culturais e temporais, ganhando valor comercial global. Sua adaptabilidade a transformou em um símbolo versátil, muitas vezes desvinculado do Japão e usado para promover produtos multiculturais.
Com seu apelo natural e universal, a imagem migrou para decoração, moda, artigos de papelaria e ganhou seu próprio emoji 🌊, imprimindo um estilo de vida aspiracional aos consumidores. Nessa perspectiva, uma metáfora pode ter sido feita pelo artista norte-americano Phil Hansen, que a recriou usando Coca-Cola como tinta.
Ironias à parte, Hokusai tornou-se o artista japonês mais reconhecido internacionalmente. Uma homenagem contemporânea está no Aeroporto de Vancouver.
Localizada no saguão de embarque, a iluminada Great Wave Wall com quarenta metros de largura e dez de altura, feita pelo alemão Lutz Haufschild, chama a atenção dos passageiros que aguardam seus voos. Trata-se de uma composição em que uma grande onda parece se dirigir ao observador, conforme a sua posição e a da luz.
Essa imersão foi planejada em 1996, quando o aeroporto passou por um redesenho baseado na ideia de Terra, Mar e Céu como estradas de viagem. A decisão de criar um ambiente oceânico acabou aceita pelas autoridades aeroportuárias.
Mais recentemente, a Grande Onda foi rememorada após o tsunami que devastou o norte do Japão em 2011. Os preparativos para uma exposição da gravura no Museu Britânico incluíram conversas com a Embaixada Japonesa para evitar que a mostra fosse vista como um lembrete inapropriado do desastre.
Com o efeito contrário, em postagens ao redor do mundo, a imagem foi lida como uma expressão de simpatia pelas vítimas. Uma alegoria de superação que, tal como o uso da gravura, pode ser universal.
Assim como os pescadores no barco, deve-se seguir remando, desafiando ondas que parecem superar em tudo. Talvez, no entanto, o segredo da obra de Hokusai esteja no que não se vê em primeiro plano: na calma aparente do Monte Fuji, um lembrete de que, por mais turbulento que seja o mar, sempre haverá algo estável para onde se pode olhar.
O mar é seu espelho; você contempla sua alma - Charles Baudelaire.
Se seguirmos a direção de leitura japonesa, da direita para a esquerda, nosso olho deve captar primeiro o barco para, em seguida, avançar para a onda.